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“Nasci um viciado em liberdade e não aceito gaiola na opinião”

Há 89 anos, em 9 de abril de 1935, nascia Batista Custódio, fundador dos impressos “Cinco de Março” e Diário da Manhã

Jornalista Batista Custódio viveu intensamente o jornalismo: ainda jovem veio de Caiapônia para estudar e empreender em Goiânia Jornalista Batista Custódio viveu intensamente o jornalismo: ainda jovem veio de Caiapônia para estudar e empreender em Goiânia

O jornalista Batista Custódio escolhia a dedo soldados para suas batalhas políticas e sociais. Foi um dos maiores descobridores de talentos do jornalismo brasileiro. E ao mesmo tempo líder e companheiro dos maiores jornalistas do país. Não é à toa que informalmente o jornal é considerado a maior faculdade de jornalistas e designers do Estado. E, oficialmente, foi condecorado pela Academia Brasileira de Letras (ABL) como o terceiro melhor veículo de comunicação do país em 1984.

Defensor da liberdade e democracia como princípios - e do jornalismo opinativo e literário, como fundamentos estéticos -, Batista Custódio completaria hoje, 9 de abril, 89 anos. Em novembro, após lutar pela vida dias a fio com um câncer e pneumonia, morreu e entrou definitivamente para a história. Detentor de legado incomensurável, tornou-se vetor de um tempo em que o jornalismo buscava a Justiça social. Décadas depois acrescentava um novo capítulo em sua missão: “precisamos aprender a desmentir as fake news”.

Considerado aluno superdotado, que decifrava os clássicos e textos em latim no Ateneu Dom Bosco, sob rigorosa educação católica, Batista Custódio cresceu sob a égide da segunda Guerra Mundial, o alvorecer do cinema colorido e falado e sob efeito da fase intermediária do jornalismo brasileiro como indústria.

Viveu as histórias fantásticas de Davi Nasser em “ O Cruzeiro” (1928-1975) e as tirinhas de “Tico-tico” (1906-1977). Estas três escolas ( literatura clássica, educação formal católica e as leituras da grande imprensa) ajudaram a formar um adolescente irreverente, mas contestador.

Aos 23 anos, fundou o jornal “Cinco de Março”, uma criação dele, Telmo de Faria e outros jornalistas como Consuelo Nasser, Javier Godinho, Valterli Guedes, etc. Ambos eram originários da União dos Estudantes Secundaristas de Goiás (Uges).

O nome do jornal, inclusive, se deve a um protesto ocorrido neste dia. “O governador se chamava José Feliciano Ferreira, foi em 1959, os estudantes fizeram... não sei se eles estavam protestando contra aumento de ônibus, acho que era aumento de ônibus, mas era uma coisa pacífica, lá na Praça do Bandeirante. Antigamente, as concentrações todas eram lá. E de repente chegou a polícia, chegou desfazendo o movimento, batendo, vieram os bombeiros jogando água com aquela mangueira grossa, e muitos ficaram machucados, e foi o que aconteceu”, disse Javier Godinho, em reflexão reproduzida em estudos científicos da Universidade Federal de Goiás (UFG) sobre a impresa goiana.

A partir do pedido de Batista e Consuelo para o senador Alfredo Nasser, o “Cinco de Março” saiu da cabeça para o papel. Na época, 1959, o político e jornalista, tio-avô de Consuelo, doou as tipografias velhas do “Jornal de Notícias” aos estudantes.

Batista liderou todo este movimento por 23 anos até que decidiu, em 1980, fundar o Diário da Manhã. O presidente do jornal, Júlio Nasser, foi escalado na época para percorrer o Brasil em busca de estrutura e máquinas para sustentar a empreitada. Batista sonhou o DM em novembro de 1979 e em 12 de março do ano seguinte - meses, portanto - o jornal estava nas ruas.

Da primeira época, com o “Cinco de Março, conviveu com profissionais de gabarito e fama variados, como Stepan Nercessian - ator da Globo que trabalhou ao lado de Batista Custódio - até juristas como o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Castro Filho.

Nesta segunda empreitada, no DM, escalou os melhores soldados do Brasil - caso de Washington Novaes, Aloysio Biondi, Reynaldo Jardim, dentre tantos outros. Praticamente todos grandes jornalistas integraram a redação do DM desde sua criação - caso de Carlos Alberto Sáfadi (primeiro editor), Isanulfo Cordeiro, Jayro Rodrigues, Fleurymar de Souza, Carlos Alberto Santa Cruz, Marco Antônio da Silva Lemos, Lorimá Dionísio, Sônia Penteado, Hélio Rocha, Jávier Godinho, Luiz Carlos Bordoni, etc.

Das páginas de Batista, os profissionais chegaram ao “Estadão”, “O Globo”, “Folha”, TV Globo, “Le Monde”, “El Pais”, etc. E dali nos poderes da República. Amigo do presidente José Sarney, do ex-ministro Goubery do Couto e Silva, ex-ministro José Dirceu, teve relações francas, de aconselhamento e de amizade com quase todos governadores goianos das últimas décadas. Ronaldo Caiado, governador de Goiás, não era chamado por ele de “Caiado”, mas na intimidade, como “Ronaldo”, a quem ele denominava de “romântico” e “ incorruptível”.

Dias antes de morrer, já debilitado, fez questão de dizer: “Quero falar com ele, alertá-lo, pois ele tem tudo para ser o primeiro goiano a ser presidente da República”.

Ditadura

A ditadura permeia a história dos dois impressos de Batista Custódio. Foi durante o regime dos militares que um batalhão invadiu a sede do jornal ‘Cinco de Março’, o empastelando e deixando a redação em frangalhos. Batista chegou a ser preso na época. Seu crime: a opinião.

Da mesma forma, foi na ditadura que o Diário da Manhã teve sua falência decretada, cujo instituto da falência e a mordaça contra as verdades tornaram-se tentativas de calar Batista.

Nas décadas seguintes à criação do DM, Batista Custódio, como editor-geral, transformou ideologicamente o veículo, abraçando os variados espectros ideológicos. Foi um dos fundadores do jornalismo cívico e um dos primeiros a prever a chegada do jornalismo de dados. Ao mesmo tempo, formou jornalistas que buscavam na literatura e não nos manuais de redação formatos de comunicação que emocionavam os leitores. Apesar de aceitar a imposição capitalista da notícia, fazia questão de resguardar espaços para o jornalismo opinativo responsável - em 2010, por exemplo, criou o maior caderno da imprensa diária no mundo exclusivamente voltado para a opinião - o “Opinião Pública”. O DM chegou a publicar 50 artigos ao dia.

Sua doutrina foi sempre a liberdade: “Nasci um viciado em liberdade e não aceito gaiola na opinião, sou contra ditadura de esquerda e de direita”. (...) Rotulo o esquerdismo e direitismo como os dois lados da mesma bosta ideológica dos regimes políticos. Cultuo a República como mãe da democracia, filha do povo e alma da liberdade. Nasci assim e vou morrer assim. E se um dia tiver de ser ouvido o último brado da liberdade de imprensa esse grito virá na minha voz”.

Jornal sob seu comando revolucionou comunicação

Em 1984, o Diário da Manhã foi eleito o 3º melhor jornal do País. Às vésperas de ser fechado, o Diário da Manha recebeu o prêmio. Presidente do Brasil em exercício, Aureliano Chaves, na sede da Academia Brasileira de Letras (ABL), honrou o diário e celebrou a iniciativa de Batista.

Na época, os principais intelectuais do Brasil e de Goiás escreviam no DM. O próprio acadêmico Bernardo Élis tinha uma coluna aos sábados. Carlos Drummond e Millor Fernandes escreviam em suas páginas.

Morte

Apesar de debilitado, Batista manteve até sua morte a participação ativa no fechamento das edições do DM. Costumava titular e decidir as angulações das reportagens, além de manter-se ativo na escrita de seus artigos.

Morreu em 24 de novembro de 2023 após permanecer 20 dias internado em confronto com uma pneumonia.

“Ele era um dos maiores editorialistas do país”, diz Júlio Nasser, que recorda sempre o vigor do fundador do DM e sua vocação pela liberdade.

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